O OLHAR

No último mês de vida de meu marido, antes do seu retorno à casa do Pai, ao final de uma tarde  fresca em que estávamos a sós, ele, recostado no leito com a aparência pálida e sofrida, porém, muito lúcido e zeloso, olhou para mim por um longo tempo, de uma maneira muito diferente. Era um olhar em que se misturavam zelo,  despedida, tristeza, ternura, gratidão e muito amor. Por mais que tentasse jamais conseguiria expressar com palavras o tamanho da grandeza daquele demorado olhar.

Depois de algum tempo que nossos olhares se cruzaram profundamente, os nossos olhos se encheram de lágrimas.
Calmamente, entre lágrimas, dando-me orientações e conselhos ele, com serenidade me disse: “estou pronto para a partida; não se desespere, nunca; não tenha medo de nada…”  Ele tinha o dom do conselho. Quão privilegiada eu fui com aquele doce e diferente olhar! Ele refletia entre tantas outras coisas, o amor e a grandeza do homem com o qual convivi por longo tempo e também de um grande pai. Aquele olhar eu jamais esquecerei. Foi, com certeza, o mais intenso que já recebi. Um olhar que descortinou repentinamente nossas vidas e nossas almas.

Mario Quintana já dizia que “quem não compreende um olhar também não compreenderá uma longa explicação”. Esse dito verdadeiro me remete ao entendimento da grandiosidade daquele olhar. Não conheço o contexto que o levou a tal afirmativa, mas compartilho com ele essa verdade. Aquele olhar único devolveu-me incontáveis certezas sem uma palavra, no mais profundo silêncio quebrado apenas pelo bater acelerado de nossos corações.

Nosso olhar reflete o mais profundo do nosso ser. Através dele podemos mostrar serenidade, afeto, carinho, piedade e a beleza da vida. O olhar pode ser penetrante ou de desdém. Há olhares que inquietam e outros que tranquilizam, que repreendem e que elevam, há  os que condenam e os que salvam. O olhar pode também demonstrar desafeto, incertezas e desamores. Um belo e fixo olhar, porém, pode também ser um indicador de felicidade. As mesmas coisas podem ser redescobertas quando nelas fixamos apenas um simples olhar.

Somente um olhar verdadeiro conseguirá falar o que está guardado no fundo do coração e da alma porque as palavras serão ‘carregadas pelo vento’, esquecidas e ainda, poderão ser falsas.O olhar de ódio é mais fugaz e transitório do que o olhar amoroso. Este é duradouro e ficará retido para sempre na memória e no coração,  como aquele que recebi.

Nunca esqueça de olhar para trás e perceber que todos aqueles que nos precederam muito fizeram para que nos tornássemos o que hoje somos, carregados dos melhores tipos de olhar. Olhe também para frente para que possa ser o antecessor de muitos que possam ter somente olhares do bem.

Lance sempre muitos olhares verdadeiros e afetuosos e, nunca se esqueça que o mais intenso olhar é o  de Deus para conosco,  porque é infinitamente misericordioso.
nelci maria martins de queiroz